20 de mai. de 2010

A madrugada que o país parou

por Thayla Ramos

Vinte e sete de março de 2010, meia-noite e 45. A madrugada que o país parou em frente ao Fórum Regional de Santana, Zona Norte de São Paulo, para ouvir do juiz Maurício Fossen a sentença de condenação de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá.

O homicídio triplamente qualificado praticado pelo casal contra Isabella Nardoni, morta em 29 de março de 2008, quando foi jogada pela janela do sexto andar do Edifício London, prendeu a atenção de toda a mídia e causou comoção pública jamais vista diante de um caso de homicídio. O motivo? Alexandre Nardoni é pai de Isabella, e Anna Carolina Jatobá, a madrasta supostamente ciumenta.

Durante meses, todos os canais, revistas e jornais nacionais e regionais realizaram uma ampla cobertura do caso, acompanhando os depoimentos, as perícias e, finalmente, a prisão do casal Nardoni. Porém, o que mais ganhou espaço nas manchetes e primeiras-capas foram fotos retratando a ex-vida feliz da garotinha “assassinada” e a irremediável dor de Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella, cujo rosto tornou-se tão conhecido e exposto quanto o do presidente Lula.

A cobertura da morte da menina atingiu proporções de um romance policial imperdível, com direito a cenas de drama, suspense e ação que foram acompanhadas fielmente por milhões de brasileiros. Mas, ao contrário do incrível desfecho desta “novela”, a maioria dos casos de homicídios ou tentativa de homicídio entre pais e filhos termina com o réu recebendo uma sentença favorável. A conclusão é de um estudo da antropóloga Daniela Moreno Feriani, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Unicamp. Ela avaliou 34 processos tramitados e julgados em um período de 20 anos - entre 1982 e 2002 - no Fórum de Campinas.

Segundo a pesquisa, divulgada no início deste ano, de 34 processos pesquisados, em 17 o réu teve sentença favorável e em oito houve condenação. Os outros processos foram arquivados por diversos motivos, como falecimento do réu ou desqualificação do crime para lesão corporal. Qual é, então, a novidade para tanto estardalhaço diante do Caso Isabella?

Um peso, duas medidas

Cerca de 200 pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar, estavam aglomeradas em frente ao Fórum de Santana à meia-noite e 45, enquanto o juiz lia a sentença de condenação dos Nardoni. Em seus televisores, milhares de pessoas acompanhavam ao vivo a reação eufórica dos civis quando o resultado do julgamento soou pelos vários alto-falantes instalados nos portões e calçadas do Fórum.

Uma onda de alegria e fúria espalhou-se entre os presentes. Civis bateram palmas, pularam, soltaram fogos de artifício, balançaram-se nas grades de proteção do local. Fotógrafos dispararam simultaneamente seus flashes e repórteres narraram o resultado do julgamento com a entonação de quem narra o glorioso fim de uma partida de futebol.

Porém, emocionante mesmo foi o retorno do casal à penitenciária de Tremembé, no Vale do Paraíba, a 140 quilômetros de São Paulo, onde voltaram a ocupar suas carceragens. As pessoas aguardavam na saída do Fórum. A Polícia Militar temia um linchamento. Só que atirar pedras, tomates e disparar chutes e palavrões contra os veículos fortemente protegidos, onde os assassinos estavam invisíveis foi o máximo que os civis conseguiram fazer. Tudo isso, é claro, sobre o respaldo de câmeras e microfones.

Mas, ainda pior do que uma sociedade que comemora quando deveria calar-se e cala-se quando deveria protestar, é uma mídia que faz o mesmo. Se antigas teorias dizem que o jornalismo é o espelho da sociedade, talvez elas não estejam tão obsoletas: a imprensa brasileira realmente faz jus à frase.

Se inúmeros casos como o de Isabella acontecem no Brasil, por que não recebem a mesma repercussão e fiscalização da imprensa? Por que, diferentemente de Isabella, as crianças assassinadas não são filhas de advogados? Por que os pais que cometeram homicídio não são proprietários de um apartamento na Zona Norte de São Paulo?

De maneira nenhuma é maléfico que a mídia fiscalize o cumprimento das leis e procedimentos que são de interesse público: mas é maléfico que isso seja feito de acordo com o interesse do público, apenas quando as circunstâncias de um crime rendem boas fotos e entrevistas emocionantes, que garantam um aumento de audiência e vendas de exemplares.

Se a imprensa brasileira não trabalhasse com um peso e duas medidas, talvez os 17 dos 34 homicídios entre pais e filhos nos últimos anos não teriam ficado impunes.

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